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Secretarias

Itu, a Fidelíssima

Itu ganhou de D. Pedro I o título de Fidelíssima logo após a Independência. A posição da Câmara de Itu contra os acontecimentos políticos de maio de 1822 na capital da província provocou a vinda de D. Pedro a São Paulo. A missão do príncipe-regente era restabelecer a ordem, “rudemente convulsionada pelos desmandos dos bernardistas”. Ao retornar de Santos, onde fora examinar fortalezas e sondar o espírito das tropas, deu o grito de “independência ou morte”, às margens do riacho do Ipiranga.

Assim, o protesto da Câmara de Itu valeu a declaração da independência do Brasil em São Paulo, concluiu o historiador Djalma Forjaz, biógrafo do senador Vergueiro. Essa conclusão foi endossada pelo historiador ituano Francisco Nardy Filho, que dedicou ao assunto “Itu e a bernarda de Francisco Inácio” setenta páginas do segundo volume de sua obra A Cidade de Itu.

O que foi a “bernarda” de Francisco Inácio e quem foram os “bernardistas”? O motim ou bernarda de Francisco Inácio, eclodido em São Paulo a 23 de maio de 1822, decorreu da cisão entre os membros do Governo Provisório da província. Bernarda, segundo o Aurélio, quer dizer revolta popular, motim, desordem.

Os “bernardistas” (revoltosos, amotinados), liderados por Francisco Inácio de Souza Queiroz, coronel de milícias e um dos mais abastados comerciantes de “fazendas secas”, ficaram do lado do presidente do Governo Provisório, João Carlos Augusto de Oeynhausen, afilhado de D. Maria I e ex-capitão general do Ceará, Mato Grosso e São Paulo. Do outro lado, ficaram os partidários dos irmãos Andrada. Alguns historiadores, como Arnaldo Contier, afirmam que o motim de Francisco Inácio pode ser considerado o primeiro movimento revolucionário ocorrido na província durante a crise do Antigo Sistema Colonial.

A Revolução do Porto, em 1820, em defesa do estabelecimento de um regime constitucional, e a reunião das Cortes em Lisboa, induziram o regresso de D. João VI a Portugal e a permanência no Brasil de D. Pedro de Alcântara, como príncipe-regente. A 23 de junho de 1821, o povo e a tropa da cidade de São Paulo reuniram-se no antigo largo de São Gonçalo para organizar um Governo Provisório, jurar as bases da Constituição e obediência a D. João VI e ao príncipe-regente. A 15 de julho a Câmara de Itu inteirou-se oficialmente da instalação do Governo Provisório da província, composto de João Carlos Augusto de Oeynhausen, José Bonifácio de Andrada e Silva e Lázaro José Gonçalves, depois substituído por Martim Francisco Ribeiro de Andrada.

O governo provisório reuniu membros de grupos partidários da Constituição Liberal portuguesa de 1821, entre eles Oeynhausen, coronel Francisco Inácio de Souza Queirós, coronel Daniel Pedro Muller, chefe de esquadra Miguel José de Oliveira Pinto, tenente-coronel Antônio Maria Quartim e o ouvidor José da Costa Carvalho. Esse governo também era apoiado por membros de grupos liberais reformistas como os irmãos Andrada, Nicolau de Campos Vergueiro, os cônegos Oliveira Bueno e Gomes Jardim e o brigadeiro Rodrigues Jordão, considerados “avançados” pelos seus opositores.

Oeynhausen, agente social acostumado a governar de acordo com os princípios colonialistas, não se adaptou às novas praticas derivadas dos decretos liberais portugueses, pois todos os atos do governo deveriam ser votados por todos os membros da Junta Governativa. Ele passou a apoiar-se nos comerciantes e fazendeiros estabelecidos na cidade de São Paulo, ou seja, José da Costa Carvalho e Francisco Inácio, não aceitando os princípios defendidos vagamente pelos Andrada. Por outro lado, o mandonismo político local da família Andrada era uma realidade em São Paulo. O próprio Governo Provisório havia sido organizado por José Bonifácio, que ficou na vice-presidência e reservou ao seu irmão Martim Francisco a função de secretário, conciliando os interesses das diversas famílias da província e os preceitos da Constituição de 1821.

Os ânimos acirraram-se quando, por influência de José Bonifácio, o príncipe-regente determinou que Oeynhausen, Costa Carvalho e Francisco Inácio se apresentassem à Corte. As ordens não foram cumpridas. No dia 23 de maio tropas sob a chefia de Francisco Inácio dirigiram-se ao largo de São Gonçalo, obrigando a saída de Martim Francisco e do brigadeiro Jordão da cidade e exigindo a continuação de Oeynhausen e Costa Carvalho no Governo.

A desordem correu solta e assustou a sociedade paulistana. O vereador ituano Antônio Pacheco da Fonseca, que se encontrava na capital e presenciara os acontecimentos, regressou às pressas a Itu e contou aos ituanos todas as peripécias das tropas revoltadas de Francisco Inácio. Indignado, Paula Souza e Mello reuniu os correligionários e aconselhou a convocação da Câmara. Os vereadores reuniram-se por duas vezes no dia 28 de maio. A primeira, em sessão extraordinária com a presença do clero, nobreza, autoridades e povo, na qual deliberou-se como proceder diante do motim na capital; a segunda, em sessão simples na qual foram redigidos os documentos destinados ao príncipe-regente e ao Governo Provisório. A Câmara de Itu manifestou toda a sua indignação contra os acontecimentos, protestando a mais leal e sincera obediência ao príncipe-regente. Nos dias seguintes, diante do recrudescimento dos fatos, a Câmara de Itu reiterou suas posições e, contando com a adesão de quase todas as vilas da comarca, resolveu declarar nulo o Governo Provisório.

Em resposta, o príncipe-regente louvou a lealdade e patriotismo dos ituanos e resolveu vir a São Paulo. A 26 de agosto, Itu recebeu a notícia da chegada do príncipe e da deposição do “governo bernardista”. A câmara reuniu-se e decidiu, incorporada às demais câmaras da comarca, prestar os preitos de sua lealdade e obediência a D. Pedro. Acalmado os ânimos na capital, D. Pedro e sua comitiva foram a Santos. Na volta, às margens do Ipiranga no dia sete de setembro de 1822 declarou o Brasil politicamente independente de Portugal.

A 17 de março de 1823, já aclamado imperador D. Pedro I, Sua Alteza Real assinou a Carta Régia que concedeu a Itu o título de Fidelíssima, “por se ter avantajado a outras povoações por seu denodo e patriotismo”.

Jonas Soares de Souza